Paulo Durval Branco, diretor do IIS, fala sobre os desafios dos negócios em integrar inclusão produtiva e sustentabilidade

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Desafios e oportunidades para se avançar no desenvolvimento sustentável no Brasil. Nesta entrevista, Paulo Durval Branco, diretor adjunto do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), destaca caminhos para integrar efetivamente as dimensões da inclusão produtiva e da sustentabilidade, e o papel das organizações empresariais para atingir esses objetivos. Ele também ressalta a necessidade de se levar em conta equilíbrio ambiental e bem-estar para o conjunto da população quando o objetivo é crescimento econômico e desenvolvimento.

CIPR – Ao longo da sua trajetória, você tem se dedicado extensivamente ao tema do desenvolvimento sustentável. O que você considera que são os principais desafios e oportunidades para o Brasil avançar nessa agenda hoje?

PB – Eu venho atuando de fato na agenda do desenvolvimento sustentável nos últimos 30 anos, especialmente nas interfaces entre sustentabilidade e negócios. Nesse período, eu participei e acompanhei de perto um conjunto de iniciativas que, sem dúvidas, podem ser consideradas exemplares, não só no Brasil, mas no mundo; experiências que tem servido como referências no campo empresarial, nos instrumentos de autorregulação orientadas aos negócios, assim como no campo regulatório e das políticas públicas. Ao mesmo tempo, apesar da existência desse conjunto de iniciativas, que inclusive coloca muitas empresas brasileiras como exemplos internacionais, essas experiências não têm se multiplicado, nem ganhado a escala suficiente para fazer frente à urgência do que podemos chamar de policrises, que envolve simultaneamente as crises climáticas e ambientais, especialmente à perda da biodiversidade, e as crises sociais associadas às enormes desigualdades que marcam o Brasil.

E por que essas iniciativas não se multiplicam e nem tem ganhado escala suficiente para o enfrentamento dessas crises?

Na minha visão, isso acontece porque o país segue tendo uma visão distópica, e que não tem conseguido se libertar de seu passado recente, marcado pela usurpação de recursos naturais e pela exclusão socioeconômica e produtiva. Do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, esse quadro traçado representa um conjunto de desafios estruturantes, que implica na construção de um ambiente institucional adequado a esses objetivos, e que necessariamente passa pelo equacionamento de questões que envolvem as relações de poder e enfrentamento de interesses de segmentos das elites. Isso é necessário para que haja um novo pacto social que seja capaz de suportar marcos regulatórios e uma série de outros aspectos chave que, de fato, nos permitam dar tração e dar escala a um modelo de desenvolvimento efetivamente sustentável.

Quando olhamos para o contexto de oportunidades, podemos dizer que elas também são enormes, mas precisam ser urgentemente transformadas em competências-chave que garantam o protagonismo do país no século XXI. Essas competências se referem a uma enorme diversidade cultural, que pode ser melhor traduzido em potencial criativo para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais complexo e interdependente. Isso para os negócios é fundamental: termos empresas regidas por tomadores de decisões que deem conta de lidar com o ambiente de negócios complexos e interdependentes; o que certamente vai trazer mais resiliência para as empresas e para a sociedade em geral.

Além disso, há uma mega biodiversidade que coloca o Brasil como o provedor de respostas para os desafios da emergência climática e da transição para a sustentabilidade. Então, ao mesmo tempo que nós temos aí desafios estruturantes do ponto de vista de arranjos sociais, nós temos oportunidades incríveis a serem melhor trabalhadas. O que significa, portanto, uma necessidade urgente de nos alinharmos uma visão de país com um pacto social e um ambiente regulatório compatíveis com o desafio de um desenvolvimento sustentável.

CIPR – Nem sempre a discussão sobre desenvolvimento sustentável dá atenção à necessidade de incluir pessoas em situação de vulnerabilidade. Que lugar você entende que a inclusão produtiva tem na discussão de transição para a sustentabilidade?

PB – Acho que podemos começar pensando de que maneira uma empresa pode efetivamente contribuir para a inclusão produtiva; e para isso, acredito que existem várias formas. Por exemplo, repensando os processos de recrutamento e seleção, de forma a ser mais inclusivo na formação do corpo de colaboradores; repensar os processos de compras e contratações, e nesse sentido é fundamental que as empresas criem cadeias de valor que efetivamente incluam pequenos empreendimentos e microempresas. Outra oportunidade muito importante vem com a riqueza de experiências alinhadas às organizações da sociedade civil, e que tem atuado no sentido de criar soluções efetivas para inclusão produtiva de populações vulnerabilizadas.

Há muito a ser feito, mas o campo dos negócios tem muito a contribuir para a inclusão produtiva, sobretudo se cada vez mais a lógica de criação de valor compartilhado for adotada, no sentido de que: o que é bom para os negócios precisa ser bom para a sociedade. Isso deve imperar na origem e concepção dos modelos de negócios.

CIPR – Nessa discussão você também tem uma experiência significativa junto ao setor empresarial. O que você considera que são os principais caminhos para integrar efetivamente as dimensões da inclusão produtiva e da sustentabilidade nos objetivos desses atores e organizações?

PB – Sobre essa questão, tem um aspecto chave que precisamos lembrar: as empresas enquanto agentes econômicos se movimentam a partir das suas percepções de risco. Esses riscos precisam ser evitados e as percepções sobre oportunidades, obviamente, devem ser maximizadas. Na perspectiva de uma empresa, a capacidade de responder adequadamente a esses aspectos, se traduz do ponto de vista dos negócios, na destruição ou criação de valor para as companhias. Podemos dizer que nos últimos dez anos já é muito claro que a agenda da sustentabilidade afeta a percepção de risco das empresas, no sentido de que essas questões impactam na criação ou destruição de valor das companhias. Essa realidade, inclusive, já é percebida e tem sido internalizada cada vez mais pelo setor financeiro, e isso se reflete na construção de índices de bolsa de valores, em novas políticas de crédito dos bancos, e nas decisões de investidores. Podemos ver isso, por exemplo, retratado nessa recente atenção dada aos aspectos do ESG – environmental, social and governance.

Nesse sentido, para que a agenda da sustentabilidade, possa efetivamente se integrar no cotidiano dos negócios, eu vejo como fundamentalmente necessário ter em vista o que os economistas chamam de externalidades, ou seja, os impactos que os agentes econômicos provocam na sociedade, sejam impactos negativos e positivos, nem sempre são reconhecidos como de responsabilidade desses atores, e que muitas vezes, não são efetivamente internalizados no sistema econômico. Essas externalidades  precisam estar refletidas em novos instrumentos de política fiscal e tributária. Não faz sentido, por exemplo, termos em curso no Brasil e na grande maioria dos países do mundo, matérias primas recicladas e  utilizadas em processo produtivo, sendo bi tributadas. Do ponto de vista de tributação, essa lógica não é razoável, porque ela é perversa e desestimula as práticas sustentáveis.

Um outro ponto chave para avançar na incorporação dos aspectos da sustentabilidade e inclusão produtiva nas práticas empresariais, se refere a necessidade de que as medidas de riqueza sejam redefinidas. Quando olhamos, por exemplo, para uma sociedade onde decisões chaves são tomadas tendo como referência o Produto Interno Bruto (PIB), isso não faz sentido do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, pois é um tipo de medida que não leva em conta as externalidades positivas e negativas provocadas pela busca de crescimento econômico, e isso acaba influenciando nas decisões políticas e no comportamento da sociedade como um todo.

Não faz sentido nós seguirmos perseguindo um crescimento econômico que não leve em conta equilíbrio ambiental e bem-estar para o conjunto da população. Entendo que aqui nós temos uma questão fundamentalmente estruturante para que, de fato, a sustentabilidade seja incorporada ao dia a dia dos negócios e ganhe escala e ganhe tração. 

CIPR – Nesse panorama, que papel a produção de conhecimentos e evidências têm a desempenhar? O que você considera que são as principais questões ou linhas de pesquisa a que os pesquisadores deveriam dar atenção para apoiar o avanço do desenvolvimento sustentável com inclusão produtiva? 

PB – Este é um tema que me mobiliza muito. Há muito tempo venho colocando atenção e provocado pesquisadores, sempre que tive oportunidade, a olharem com muita atenção para uma enorme oportunidade onde a gente precisa avançar do ponto de vista da ciência da sustentabilidade. E essa oportunidade tem a ver em como fazer as contas certas e da forma correta. O que significa dizer que nós precisamos de conhecimentos e evidências que coloquem de verdade os capitais humano, social e natural no cerne das decisões e que hoje são dominadas pelo capital econômico e financeiro. Não há possibilidade de nós seguirmos como sociedade, sendo regidos por uma medida de riqueza como o PIB, que é o que eu mencionei anteriormente. Uma medida de riqueza que se baseia na falácia de crescimento econômico constante e permanente em um planeta com recursos finitos. Portanto, conhecimentos que contribuam para a gente sair dessa armadilha da possibilidade de um crescimento constante no planeta com recursos finitos, é fundamental. 

Dentro dessa perspectiva, eu gostaria de dar um pequeno destaque a um esforço que temos feito há alguns anos aqui no Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), organização onde eu sou hoje diretor adjunto. Nós temos trabalhado muito intensamente no sentido de aprimorar as tomadas de decisão nos setores público e privado, no que se refere às ações de conservação e restauração de ecossistemas e análises que combinem múltiplos critérios, se traduzindo no que chamamos de inteligência com base espacial. Quando eu falo em multicritérios, me refiro ao esforço de combinar questões relacionadas à redução do risco de extinção de espécies, sequestro de carbono, qualidade e quantidade de água, e também, aspectos socioeconômicos como redução de vulnerabilidade social, nos esforços de conservação e restauração de ambientes naturais. Atualmente nós temos avançado, entre outros pontos,em métricas para esses múltiplos critérios aqui mencionados, e construído modelagens que combinam esses aspectos. As evidências a partir desses estudos podem contribuir para que os tomadores de decisão tenham condições mais robustas de definir quais são as melhores áreas, as áreas prioritárias, para exercer seus esforços de conservação e restauração, de maneira a maximizar os vários critérios mencionados.

Esse tipo de abordagem é a ciência da sustentabilidade na fronteira, na vanguarda aplicada aos processos de tomada de decisão, seja nos âmbitos públicos ou privados. É necessário avançar no levantamento de evidências capazes de incluir essas várias dimensões, para que a gente possa fazer a transição para a sustentabilidade de maneira mais rápida. Já é evidente que o modo tradicional de fazer as coisas persequindo crescimento econômico a qualquer custo, não é efetivo, não responde aos nossos desafios como sociedade. 

CIPR – Uma dimensão importante da sua atuação se refere a necessidade de aproximar os objetivos dos setores públicos e privados para que se tenha um melhor desempenho na construção de negócios sustentáveis. Atualmente, o que você enxerga como os principais desafios para que a coordenação entre esses setores se torne efetiva em atingir os objetivos de inclusão produtiva e sustentabilidade?

No Brasil nós precisamos, efetivamente, de um novo pacto público-privado que coloque concretamente a economia a serviço das pessoas e não das coisas, assim como reconheça que a economia deve estar subordinada à imperiosa necessidade de equilíbrio da biosfera.

O que isso significa para o setor público, o que significa para negócios?

Para o setor público, no meu entendimento, significa avançarmos muito, muito mais rapidamente na construção de um ambiente institucional, de um ambiente regulatório compatível com o desafio do desenvolvimento sustentável. A gente precisa, a partir dos marcos regulatórios, criar um ambiente de negócios favorável às empresas que querem fazer as coisas certas do ponto de vista socioambiental.

Um ambiente regulatório que fomente negócios efetivamente regenerativos e inclusivos na sua concepção, e não termos a sustentabilidade apenas numa perspectiva de mitigação dos impactos negativos provocados pelas empresas. Isso não é suficiente para que a gente faça a transição na velocidade e na escala que ela precisa ser feita.

Entendo que há condições no Brasil para que isso aconteça, mas para isso é necessário reunir os esforços públicos, privados e da sociedade como um todo nessa direção. Precisamos ter clareza da visão de futuro que queremos para o país, e traduzi-la num novo pacto social capaz de desencadear toda essa potência. E é importante dizer que, independentemente do governo que esteja conduzindo o Brasil, nós temos visto uma ênfase insuficiente numa visão de futuro orientada pela bioeconomia e pela nossa sociobiodiversidade. Precisamos ser ousados, corajosos em assumir essa perspectiva que faz sentido para o nosso país e traduzi-la em políticas públicas e modelos de negócios, em arranjos institucionais, em teses de investimento efetivamente disruptivas, que coloquem o Brasil no centro da nova economia, da economia que faz sentido no século XXI.

ASCOM Cátedra.

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