Transição sustentável e inclusão Produtiva: Vahid Vahdat destaca oportunidades e desafios para o enfrentamento das desigualdades

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Em um momento em que a transição para uma economia sustentável se torna cada vez mais urgente, surge a questão de como essa mudança pode impactar a inclusão produtiva e a redução das desigualdades. Para entender melhor essa relação complexa, conversamos com Vahíd Vahdat, diretor executivo adjunto do Instituto Veredas. Ele destaca que o estudo “Inclusão Produtiva e Transição para a Sustentabilidade: Oportunidades para o Brasil”, coordenado pela Fundação Arymax, B3 Social, Instituto Golden Tree e Instituto Itaúsa, executado pelo Instituto Veredas com o apoio do Instituto Cíclica, oferece uma análise abrangente dos setores estratégicos, além de uma visão mais ampla das necessidades e oportunidades que emergem nessa transição. Nesta entrevista, abordamos as principais recomendações do estudo: como o planejamento, o desenvolvimento de capacidades, a inovação tecnológica e a adaptação dos sistemas de proteção social podem garantir que a transição para a sustentabilidade seja inclusiva e beneficie a todas as pessoas.

 

CIRP – Quais foram os principais objetivos do estudo e os setores estratégicos abordados?

VV – A pesquisa parte do entendimento de que existe um consenso crescente de que precisamos fazer uma transição para uma economia mais sustentável. Isso já é aceito cada vez mais na sociedade, pelos atores econômicos, pelos gestores públicos.nNo entanto, a pesquisa buscou questionar até que ponto essa transição também favorece o enfrentamento das desigualdades. Ou seja, será que essa transição aprofunda as desigualdades ou cria oportunidades para enfrentá-las? A chave para entender a relação entre sustentabilidade e desigualdade no estudo é a inclusão produtiva. Se a transição cria oportunidades de trabalho e renda para a população mais vulnerável, ela pode ajudar a reduzir as desigualdades. Caso contrário, pode aprofundá-las.

Um objetivo secundário era tornar essa discussão mais acessível a todas as organizações e pessoas interessadas. Muitas vezes, essa discussão ocorre entre líderes de países ou empresariais, deixando de fora a população diretamente afetada e as organizações de base. Então, a pesquisa tinha esse objetivo secundário de tornar essa discussão acessível a todas as pessoas que quisessem entender mais e participar dela a partir desse enfoque.

Sobre a escolha dos setores, para nós era importante que o estudo entrasse nas discussões sobre desenvolvimento econômico. Definimos quatro grandes setores, de alguma forma seguindo, também, o que é o perfil de emissões do Brasil e como se organiza a discussão no debate público.

Os setores definidos foram: sistemas alimentares e uso da terra, para discutir a transição agroalimentar; indústria, explorando também questões relacionadas ao setor privado; transição energética, como questão crítica; e, finalmente, a transição nas cidades e na infraestrutura. 


CIRP – Quais foram as principais descobertas sobre a relação entre inclusão produtiva e transição para a sustentabilidade?

VV – Constatamos que a relação entre inclusão produtiva e a transição para uma economia mais sustentável é bastante complexa e ambígua. Por um lado, essa transição pode promover ganhos em termos de inclusão produtiva, mas por outro, pode levar a maior exclusão. Inclusive, algumas soluções, consideradas verdes, podem ter impactos adversos nas populações mais vulneráveis. 

Por exemplo, o aumento de impostos sobre combustíveis encarece o custo de vida dessas populações, afetando principalmente alimentação e transporte, que são componentes significativos do orçamento familiar. Outro exemplo é a construção de parques para resolver questões de drenagem nas cidades, que pode resultar em especulação imobiliária e deslocamento de moradores. A implementação de parques eólicos, embora alinhada com a transição energética, à maneira como têm sido implementados, têm causado impactos negativos para agricultores familiares e na saúde mental da população no nordeste brasileiro.

E aí tem, outras situações, por exemplo, a digitalização dos processos ou o uso de novas tecnologias tem sido bastante empregado pelo setor privado para reduzir suas emissões. E isso muitas vezes, pode acabar excluindo micro e pequenas empresas ou eliminando postos de trabalho. Então, o avanço da digitalização como resposta a esses desafios tende a levar a uma maior exclusão. 

Mesmo quando há maior geração de oportunidades é preciso estar atento à qualidade dessas ocupações. A discussão sobre economia circular é um bom exemplo nesse caso. A economia circular está associada à necessidade de aproveitar melhor os resíduos gerados e gerar novos produtos. Mas quando a gente olha essa cadeia no Brasil, o nível de informalidade entre os catadores, que acabam sendo grandes responsáveis por essa economia, é ao redor de 90%. Então, muitas ocupações tendem a ser precárias. 

Portanto, é um desafio encontrar caminhos para que a transição para a sustentabilidade avance enquanto gera oportunidades de qualidade. O estudo identifica várias oportunidades nessa direção, destacando a necessidade de uma abordagem equilibrada que promova tanto a sustentabilidade quanto a inclusão produtiva.

 

CIRP – De que forma os setores estratégicos, como sistemas alimentares e uso da terra, indústria, energia e cidades e infraestrutura, podem contribuir para a inclusão produtiva e a sustentabilidade?

VV – Existem diversas oportunidades nos quatro setores abordados, cada uma em diferentes estágios de desenvolvimento. A publicação avança para identificar, em cada setor, quatro ou cinco áreas promissoras que combinam a geração de oportunidades com a transição para a sustentabilidade. Definimos três situações típicas que poderiam ser consideradas.

A primeira, envolve áreas com um grande número de ocupações que, apesar de sua importância, estão pouco alinhadas com a transição para a sustentabilidade e apresentam pouco movimento nesta direção. Para essas áreas, precisamos desenvolver estratégias que repensem esses setores e alinhem suas atividades com a sustentabilidade, promovendo uma transição inclusiva para todos os trabalhadores. Esse é o caso, por exemplo, da indústria de petróleo e gás, crucial para a economia do país, e do setor da construção, que emprega muitas pessoas, mas geralmente oferece ocupações de baixa qualidade e tem pouca discussão sobre como seguir na direção de um setor mais sustentável.

A segunda situação abrange setores já alinhados com a sustentabilidade, mas que precisam ser melhor desenvolvidos ou estão de alguma forma incipientes. Um exemplo é o uso da sociobiodiversidade do país. O Brasil é um dos países com maior biodiversidade, mas como utilizar essa biodiversidade para gerar novos produtos tanto na alimentação como na indústria é um desafio ainda a ser enfrentado. Isso requer investimentos em capacidade de processamento produtivo, ciência, tecnologia, inovação, novas fontes de recursos e marcos regulatórios adequados. Essas áreas provavelmente vão tomar um tempo para que se desenvolvam. É preciso dedicar esforço para desenvolvê-las efetivamente, sair desse lugar de incipiência e se tornar, de fato, geradora de oportunidades

A terceira situação, menos recorrente, refere-se a áreas que já possuem um certo nível de desenvolvimento e estão alinhadas com a sustentabilidade. A restauração florestal é um exemplo. O Brasil já conta com empresas experientes neste campo e atrai investimentos significativos. Há uma necessidade crescente de restauração florestal no país, e o potencial para desenvolver florestas produtivas ou ecossistemas regenerativos é promissor. Há diversas redes formadas. Ou seja, tudo indica que aqui existe um potencial interessante para ser explorado que nos permitiria eventualmente ter florestas produtivas ou diferentes ecossistemas que favorecem a regeneração da natureza, mas também sejam produtivos.

Em resumo, o estudo faz recomendações de três tipos: áreas que precisam de maior atenção devido ao grande número de ocupações e à ausência na discussão sobre sustentabilidade; áreas alinhadas com a sustentabilidade, mas que carecem de fundamentos para crescer; e áreas com potencial já estabelecido que podem ser aceleradas. 


CIRP Para além dos setores, como podemos pensar a relação entre inclusão produtiva e a transição para a sustentabilidade?

VV – Ao conduzir o estudo, percebemos que, embora seja útil focar nos setores estratégicos da transição para a sustentabilidade, também é crucial oferecer uma visão mais ampla dessa discussão. Muitos países estão elaborando planos de transição que não são estritamente setoriais, mas sim estratégias amplas para o país. Identificamos que, se a gente quiser incorporar a inclusão produtiva de maneira substantiva na nossa visão de transição para sustentabilidade, de fato a gente precisa incorporá-la em questões fundamentais que acabam dando os contornos dos planos de transição. 

Primeiramente, uma questão importante é planejamento e financiamento. É fundamental que os planos, suas metas e estratégias considerem micro e pequenos negócios e populações em situação de vulnerabilidade. Políticas que não fazem isso, como o programa ABC, voltado para uma agricultura de baixo carbono, tendem a excluir essas populações. Portanto, é fundamental incorporar metas e estratégias específicas para essas populações.

Uma segunda ideia que a gente viu de maneira recorrente nos países que tentam abordar essa transição como portadora de oportunidades, é que a transição conte também com um sistema nacional de desenvolvimento de capacidades para atender às demandas da transição. Novos setores vão surgir, e as pessoas precisarão sair de suas ocupações atuais, que podem se tornar obsoletas e ocupar novas posições. Precisamos ter agilidade para responder a isso. Se a gente não conta com um sistema desse tipo, pode ser que as oportunidades ou não se concretizem para nós como país ou que elas sejam ocupadas de fato só por pessoas já capacitadas ou de fora. 

A terceira ideia importante é o investimento em ciência, tecnologia e inovação. Essa também é uma área fundamental, porque a gente sabe que para solucionar os problemas atuais é preciso um novo conhecimento e se é preciso um novo conhecimento, a gente precisa dar atenção a esse campo da ciência, tecnologia e inovação. No entanto, essas tecnologias não são neutras em seus efeitos sociais e ambientais. É importante que os impactos dessas tecnologias sejam avaliados antes de sua implementação e que sejam desenvolvidas tecnologias adequadas para micro e pequenos negócios e populações vulneráveis. Na Amazônia, por exemplo, há discussões sobre trajetórias tecnológicas na produção agropecuária, onde algumas são mais alinhadas com essa ideia de uma agricultura diversificada e que respeita a natureza, enquanto outras são muito mais orientadas ao monocultivo e à monotonia da alimentação

Por fim, precisamos adaptar nosso sistema de proteção social para que ele seja responsivo aos eventos extremos que se tornam cada vez mais recorrentes e intensos: seja diante das emergências, sendo capaz de responder com agilidade e dando atenção às demandas que essas situações criam, ou de maneira proativa ou preventiva, ajudando as populações que se encontram em maior risco para que possam se realocar e ter seus meios de vida preservados. Então, se já era importante a inclusão produtiva para ajudar as pessoas a sair da pobreza, para enfrentar esses desastres, igualmente, a gente vai precisar combinar capacidades, por exemplo, do campo da defesa civil com medidas do campo da inclusão produtiva. 

Em suma, há questões tanto setoriais como mais transversais que precisam ser consideradas nos planos de transição para que a inclusão produtiva receba atenção substantiva. Do contrário, o que veremos nos próximos anos pode ser um novo aprofundamento das desigualdades.

 

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